QUANDO A FALÊNCIA SE TORNA UM BEM NECESSÁRIO:
Muito embora a atual Lei de Falências tenha trazido algumas modificações substâncias e relevantes, tais como a exclusão da antiga concordata em contrapartida com os novos institutos da recuperação judicial e extrajudicial é preciso desmistificar o processo de falência, que em virtude das inúmeras falhas legislativas, pode surgir como uma ferramenta mais interessante e eficiente do que a própria recuperação.
Não se trata de simplesmente abrir mão do processo de recuperação em detrimento da falência, mas vale ponderar os dois institutos, através de um olhar mais criterioso e sensato, e ver qual medida deverá ser tomada, de maneira que o empresário “sangre” o menos possível. Assim, uma decisão crítica a respeito poderá trazer a médio prazo uma solução num horizonte sombrio e aparentemente sem saída.
BREVE RELATO DA SITUAÇÃO:
A primeira impressão que se tem da lei, é que o legislador se preocupou mais com a recuperação das empresas de grande e médio porte, sendo que a recuperação das empresas de pequeno porte e microempresas foram deixadas para segundo plano, através de um procedimento específico para elas.
Na recuperação extrajudicial há uma tentativa do devedor de resolver seus problemas com os credores sem que haja grande necessidade da intervenção judicial, onde os credores são convocados para negociarem seus créditos.
Já na recuperação judicial o empresário deverá oferecer um plano de recuperação e negociar a dívida com os credores através de uma assembleia. Os credores poderão, no entanto, aceitar o plano, propor modificações, ou rejeitar, caso em que então será declarada a falência.
Vale ressaltar aqui o primeiro problema da recuperação judicial, pois muito embora não exista mais um prazo para quitar as dívidas, o que ocorre na prática é que os credores sempre tentam impor de forma impositiva um plano que dificilmente será cumprido.
A falência pode ocorrer, portanto, em quatro situações, a primeira é a autofalência, onde o próprio empresário faz o pedido, a segunda, ocorre quando os credores o fazem, terceira, quando o plano de recuperação judicial é negado, e por último, quando o empresário descumpre alguma de suas obrigações.
No processo de falência visa buscar o patrimônio passível de execução do devedor pelos credores, através do processo denominado arrecadação, por isso diz-se que a falência é uma execução extraordinária, concursal, coletiva ou universal.
DA SUBMISSÃO À LEI:
Estão submetidos à recuperação extrajudicial, judicial e à falência, o empresário, seja ele empresário individual ou da sociedade empresária.
Em contrapartida não estão sujeitos à nova lei de recuperação de empresas e falências as empresas públicas e a sociedade de economia mista, instituição pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores e o profissional liberal e à sua sociedade de trabalho.
DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL:
A recuperação judicial tem como finalidade a ininterrupção das atividades da empresa do devedor apresenta seu pedido em Juízo, tendo até 60 dias para apresentar um plano de recuperação.
No plano recuperação o empresário devedor deverá indiciar se haverá cisão, incorporação, fusão ou cessão de quotas ou ações da sociedade, substituição total ou parcial dos administradores, aumento do capital social, ou seja, de que forma ele pretende se recuperar, devendo comprovar a seus credores.
Vale ressaltar que a concessão da recuperação judicial, em princípio, depende de prova da quitação dos tributos, ou de que sua exigibilidade esteja suspensa, ou ainda, garantida por penhora.
Com o processamento da recuperação judicial e posteriormente com a aceitação do plano de recuperação, o devedor permanecerá sob observação judicial, em princípio, somente por dois anos.
Caso o empresário não cumpra suas obrigações pecuniárias, ou ainda as obrigações essenciais, ele terá decretada sua falência, assim, se ele efetuar uma fusão, cisão, etc, que era considerada fundamental pelos credores, em conformidade com o plano ele também terá decretado sua quebra.
Estão excluídos do processo de recuperação extrajudicial os créditos derivados:
a) Da legislação do trabalho, acidentes de trabalho e de natureza tributária;
b) O crédito decorrente de adiantamento de contrato de câmbio destinado à exportação;
c) O credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis;
d) De arrendador mercantil;
e) De proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias;
f) De proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, não terá seu crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão das ações e execuções, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
DA FALÊNCIA:
Para ocorrência do denominado estado de falência em princípio é preciso da ocorrência de três fatores, qualidade de empresário do devedor, insolvência ou “crise econômico-financeira aguda, e a decretação judicial da falência.
Segundo FÁBIO ULHOA COELHO, in Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (4ª ed.; São Paulo: Saraiva, 2007, p. 18, 208), ensina que o sócio da sociedade limitada responde apenas em duas hipóteses:
a) “Na primeira, quando participar de deliberação social infringente da lei ou do contrato social (CC, art. 1.080). É caso de responsabilidade por ato ilícito, em que não há nenhuma limitação. (…).
b) Na segunda, o sócio responde solidariamente com os demais pela integralização do capital social (CC, art. 1052). Aqui, a responsabilidade independe de ilícito, se o contrato social contempla cláusula estabelecendo que o capital subscrito ainda não está totalmente integralizado, a massa falida pode demandar a integralização de qualquer dos sócios. (…).
c) O administrador da sociedade limitada, por sua vez, responde quando descumprir o dever de diligência (CC, art. 1.011) e prejudicar, com isso, a sociedade. Não existe hipótese de responsabilidade objetiva do administrador da limitada. (…
Para a Lei são atos de falência: execução sem pagamento ou sem dar garantia da dívida ao credor, liquidação precipitada e uso de meios ruinosos ou fraudulentos para pagar, realização de negócio simulado ou alienação de ativo, traspasse do estabelecimento (venda à terceiros do negócio), transferência simulada do estabelecimento principal, outorga ou reforço de garantia, ocultação, fuga ou abandono de estabelecimento, e descumprimento de obrigação do plano de recuperação.
Os créditos extraconcursais não concorrem com os créditos concursais quando é declarada a falência. Assim, do ponto de vista prático, num primeiro momento são pagos os créditos extraconcursais e depois os créditos concursais. Logo, temos a seguinte ordem de pagamento:
Créditos extraconcursais:
a) Terão prioridade de recebimento os créditos extraconcursais, por ex. adiantamento de contrato de câmbio.
Créditos concursais:
a) O crédito derivado da legislação do trabalho, limitado a 150 salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidente de trabalho;
b) O crédito com garantia real, limitado até o valor do bem gravado;
c) O crédito tributário, independentemente de sua natureza e tempo de constituição, exceto as multas tributárias;
d) O crédito com privilégio especial;
e) O crédito com privilégio geral;
f) O crédito quirografário, incluído como novidade: o saldo dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento, como ocorre com o crédito com garantia real; os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite de 150 salários-mínimos; as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias e os créditos trabalhistas cedidos a terceiros;
g) Por último, o crédito subordinado.
DA SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES CONTRA O EMPRESÁRIO:
As ações e execuções contra o devedor não são suspensas no caso de pedido de recuperação extrajudicial. Somente são suspensas, de forma geral, por ocasião do deferimento do processamento da recuperação judicial e da decretação da falência.
As execuções de natureza fiscal e a cobrança dos adiantamentos de contrato de câmbio não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. No procedimento especial, as ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano não são suspensas.
O credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, não terá seu crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais.
Não se permite, contudo, durante o prazo de 180 dias, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial, ou seja, a suspensão para esses últimos credores somente ocorre pelo prazo de 180 dias, chamado período de observação, nada impedindo que o bem possa ser apreendido pelo credor fiduciário após essa fase.
Também não estão suspensas as ações relativas a créditos decorrentes de financiamento de valores a receber, garantidos por penhor sobre direitos creditórios, por títulos de crédito, valores mobiliários e aplicações financeiras.
DO PROCESSO DE FALÊNCIA:
A fase da administração da falência, em tem início assim que a falência é decretada pelo Juiz, tendo como efeitos principais o afastamento do empresário das suas atividades; a criação da massa de credores; o sobrestamento das ações individuais; suspensão condicional da fluência de juros; exigibilidade antecipada dos créditos contra o devedor, sócios ilimitadamente responsáveis e administradores solidários; suspensão da prescrição e por derradeiro a arrecadação dos bens do devedor.
Vale ressaltar que na sentença de decretação da falência visa a empresa, mas em alguns casos pode atingir também a figura dos sócios, assim, seja o empresário individual ou os sócios ilimitadamente responsáveis, ocorre a inabilitação temporária para o exercício da atividade empresarial, e principalmente, ocorre a perda da administração e disponibilidade de seus bens, efeito este que deverá persistir até a sentença extintiva da falência
Com o surgimento da massa de credores que deverão comparecer em Juízo para habilitar seu crédito e concorrer ao ativo remanescente da empresa.
Após essa fase vem a partilha de dos bens arrecadados, que de maneira equitativa, segundo os critérios já analisados.
Todavia, vale dizer que há na lei três exceções: as ações que demandam quantias ilíquidas, isto, é, aquela que ainda não se obteve o título judicial necessário à liquidação, as ações e execuções por créditos que não são sujeitos a rateio, e as ações referentes a obrigações personalíssimas.
Outro efeito importantíssimo da sentença declaratória de falência, é a “suspensão condicional da fluência de juros”, ou seja, os juros não podem fluir contra a massa falida, desta forma, somente após a quitação de todos os credores é que serão pagos os juros pactuados e legais. Os juros incidem sobre a massa, mas somente poderão ser exigidos se o ativo apurado for suficiente para o pagamento do principal.
Há também o surgimento do instituto da cessão da empresa após a falência, onde inclusive a sucessão trabalhista e tributária, permitindo que terceiros possam comprar uma empresa, deixando de lado todo aquele passivo indesejado.
Resta claro, que surge aqui um grande negócio para investidores que desejam adquirir empresas falidas sem correr riscos de sucessão, ou decretação de grupo econômico, etc.
Já a inabilitação para a atividade empresária, ocorre quando o Juiz entende que o empresário não possui condições suficientes para dar ao seu negócio à sua correta função social. Mas é claro que essa decisão deverá ser resultado do devido processo legal, seja através de processo falimentar ou criminal.
A Extinção das obrigações do falido pode ocorrer de quatro formas, sendo a primeira com o pagamento de todos os créditos, a segunda com o pagamento de ao menos 50% de todos quirografários após a realização de todo ativo, podendo inclusive o falido depositar a quantia restante; a terceira se ocorrer o decurso de 05 anos, contados do encerramento da falência, se o falido não for condenado na pratica de crime; e por fim, com o decurso do prazo de 10 anos do encerramento da falência se o falido for condenado por crime falimentar.
VANTAGENS DA FALÊNCIA:
a) A primeira é que com a falência decretada pela justiça, o dono da empresa é afastado de suas atividades e o juiz nomeia um administrador para cuidar da massa falida da companhia, com isso todos os aborrecimentos, credores passam a ser de responsabilidade do administrador;
b) Com o dinheiro arrecadado uma das principais prioridades é o pagamento dos direitos trabalhistas dos funcionários, que deverão obedecer um teto legal para cada um;
c) Atendendo claramente aos interesses do sistema financeiro é que a lei trouxe a denominada trava bancária na Recuperação Judicial, ou seja, todos os créditos de natureza financeira que tenham como objetos alienação fiduciária, arrendamento mercantil, incorporações imobiliárias, compra e venda com reserva de domínio e contrato de câmbio para exportação não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.
Um outro aspecto negativo foi a exclusão das dívidas ficais do plano de recuperação judicial, devendo-se editar uma lei especial para tratar do parcelamento do débito tributário o que não ocorreu até hoje
Assim, diferentemente da Recuperação judicial o rol de credores que são reunidos na falência é muito mais extenso, ou seja, entra inclusive os bancos e fornecedores com garantia real, além das dívidas fiscais e trabalhistas.
d) Os bens arrecadados, inclusive máquinas, equipamentos e utensílios serão utilizados para amortizar a dívida;
e) O sócio empresário tem seus bens garantidos diante das hipóteses já estudadas, e só responderá criminalmente em alguns casos específicos;
No Estado de São Paulo há uma lei estadual que determina que o processo-crime falimentar será apurado, processado e julgado pelo próprio Juiz da falência.
f) E por fim, e mais importante sem dúvidas é que o empresário ficará sem dívidas depois de cinco anos, quer tenha ou não liquidado totalmente as suas dívidas;
CONCLUSÃO:
A nova lei de falência trouxe em alguns aspectos avanços importantes, como o instituto da recuperação judicial, nos levando a crer erroneamente que o processo de falência seria algo secundário e não eficaz.
Mas a nova legislação também trouxe algumas falhas graves ao se analisar friamente o instituto da recuperação, cabendo aos operadores do direito juntamente com os empresários analisarem friamente e profundamente cada situação, deixando de lado a carga passional que persiste que não nos permite ver a tão famigerada luz no final do túnel.
Portanto, pode-se pensar hoje, que diante do agravamento da crise econômica e política em que o país vive, passar a ver com outros olhos uma mudança que pode ser até radical, mas, organizar a quebra de sua empresa pode e deverá ser uma saída inteligente capaz encerrar o labiríntico momento com maior praticidade e tempo, haja vista que após decretação da extinção das obrigações o empresário não sofrerá restrição ao ato de continuar sua vida e ainda terá resguardado seu patrimônio familiar.
Que reste claro que a utilização do instituto da falência é totalmente legítima e legal, pois não se trata de uma saída que eterniza o empresário insolvente a se ver livre do problema causado pelo fracasso empresarial, e sim de uma retirada que colocará data para finalizar sua agonia e depressão.
Com efeito, nos casos em que a insolvência se alastra e contamina não só os negócios como a vida pessoal do empresário, é natural se pensar que pode ser dado ao empresário uma oportunidade de no momento certo, de forma organizada, e por sua livre e espontânea vontade, de se proteger de execuções e cobranças que possam aniquilar seu patrimônio.
Flávio Henrique Azevedo Inacarato
Advogado, Chief Legal Officer (CLO), Co-fundador da empresa AvaUnity, investidor, membro de diversos conselhos consultivos e Membro Consultor da Comissão Especial de Direito para Startups da OAB Nacional. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 1997. Inscrito na OAB / SP nº 159.248 (220.233). Atuando na advocacia há mais de 20 anos em empresas nacionais e estrangeiras, com foco em Direito Societário, Civil, Internacional, Contratual, Consumidor e Novas Tecnologias e Startups.
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