Em outro artigo falamos rapidamente sobre os impactos do coronavírus nas relações de trabalho, e hoje iremos tratar um pouco dessa questão relacionada aos demais contratos que estão sendo impactados no mundo jurídico por essa crise mundial.
Além do pânico e da preocupação da população em relação as questões de saúde e sanitária, muitos estão se perguntando como fica as questões referentes aos contratos já firmados para eventos futuros ou em andamento?
Primeiramente é importante salientar que a essa situação de pandemia é nova na história recente da humanidade e a maioria de nós não estava preparada para enfrenta-la, e isto não é diferente com nossos tribunais, que devem firmar mais adiante no sentido de que o Covid-19 se caracteriza como caso fortuito ou força maior através do princípio da exoneração.
E qual é o impacto desse posicionamento sobre os contratos?
Nos termos do artigo 393 do Código Civil, o devedor poderá alegar Caso Fortuito ou Força Maior como excludente de responsabilidade, no entanto, o parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis.
Ou seja, o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, cabendo, entretanto, a que o alega, comprovar a existência de um impedimento do que fora pactuado.
Como vimos o Código Civil fala em devedor, e não comprador ou vendedor, ou ainda e contratante ou contratado, de sorte, que independe a posição em que você se encontre, bastando que seja impossível adimplir a obrigação prevista no contrato.
Já a teoria da imprevisão está prevista no art. 317 do Código Civil de 2002, onde, por motivos imprevisíveis, ocorrer desproporção entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o Poder Judiciário corrigi-la.
E mais, no termos, do art. 478 do Código brasileiro de 2002, os contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Adiante trataremos de algumas exceções, mas o que importa nesse primeiro momento é entender que existe sim a possibilidade de se rediscutir o contrato ou parte dele, assim, como também devemos ter em mente que o contrato pode suspenso ou rescindido, dependendo se essa situação for transitória ou definitiva, e mais, se essa situação ainda que transitória inviabiliza o adimplemento do contrato de forma total ou parcial.
É importante analisar também se o contrato prevê situações como essa em que estamos vivendo, ou seja, se o prevê clausulas de caso fortuito, força maior ou até mesmo fato do príncipe, que não vem ao caso nesse breve artigo.
Em caso de não existir cláusula ou previsão específica, não se deve deixar nunca de analisar o valor das multas contratuais aplicáveis, a fim de se mensurar os possíveis riscos de uma demanda judicial.
Diante dessas informações é possível primeiramente saber o risco, saber se é caso de revisão, suspensão ou rescisão do contrato, lembrando que em caso de rescisão o contrato deverá, em tese, ser reestabelecido ao “status quo antes”.
Exceções ao princípio da exoneração:
Alguns tipos de contratos e situações por si, mesmo que preenchidos os requisitos acima, não estariam abarcadas pelo artigo 393 do CC.
Suponhamos um contrato de compra de produtos hospitalares, tais como álcool, máscaras, luvas, etc. Ficando claro que numa situação como esta, mais do que nunca se precisa da cooperação das partes para atender a população e o sistema de saúde.
Imaginemos outro exemplo, um contrato celebrado no começo de fevereiro, onde as notícias sobre esta epidemia já eram de conhecimento geral, sera que poderia se alegar neste caso força maior para se eximir do adimplemento do contrato? Como fica a questão da imprevisibilidade? Já não era previsível?
Entendo que neste caso teríamos que analisar com cautela, se a contratação precedeu decretos governamentais, que determinam o fechamento de estabelecimentos ou a impossibilidade da realização de eventos por exemplo, para verificar se caracteriza como força maior ou caso fortuito.
Com vimos existe a previsão no artigo 478 do Código Civil dessa situação, ou seja, quando a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá também o devedor requerer a resolução do que foi pactuado.
Contratos de consumo:
Nos contratos de consumo, onde a culpa do fornecedor é baseada no risco da atividade, é importante, frisar que como o rol de excludentes de responsabilidade civil previstas no CDC não são taxativas, entende-se por conseguinte que é possível a aplicação da teoria do caso fortuito e força maior, ou seja, como há ocorrência de um fator externo, e portanto, ficaria o fornecedor isento de responsabilidade de indenizar pelo dano diante da ausência do nexo causal.
No caso de escolas, é provável que estas terão que se adaptar para o ensino à distância, ou ainda repor as aulas em outras datas, até por determinação do MEC, sem que isso represente qualquer direito a abatimento do preço da mensalidade.
Já no caso de academias, ou contratos de festas e eventos, o ideal é que ocorra um acordo entre as partes para a realização do evento em outra data, ou que ocorra no caso da academia a suspensão das aulas e retomada posterior onde os valores já pagos seriam utilizados como crédito.
Nesses casos a cobrança de taxas de remarcação ou qualquer desconto pode ser entendido como indevido pelo CDC.
Contratos de locação:
No caso dos contratos de locação é preciso ter em mente que a revisão do contrato é a melhor saída para todas as partes, pelo menos a redução do valor durante a determinação do fechamento de estabelecimentos, como no caso dos shopping centers, ou no caso de empresas de eventos por exemplo.
Nesses casos a resolução do contrato nos termos do art. 478, talvez não seja a mais adequada, devendo se pleitear, no entanto, a redução ou não cobrança do aluguel enquanto perdurar a determinação de fechamento dos estabelecimentos.
Em alguns casos o que se vem verificando é que já existem alguns acordos entre lojistas e administradoras de shoppings para que estes paguem somente o fundo de promoção.
Flávio Henrique Azevedo Inacarato
Advogado, Chief Legal Officer (CLO), Co-fundador da empresa AvaUnity, investidor, membro de diversos conselhos consultivos e Membro Consultor da Comissão Especial de Direito para Startups da OAB Nacional. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 1997. Inscrito na OAB / SP nº 159.248 (220.233). Atuando na advocacia há mais de 20 anos em empresas nacionais e estrangeiras, com foco em Direito Societário, Civil, Internacional, Contratual, Consumidor e Novas Tecnologias e Startups.
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